17 de setembro de 2010

Noite dos zumbis

Um certo dia saí para pensar um pouco sobre meus problemas isolado. Andava pela cidade vagarosamente até me deparar com uma taverna bastante interessante, que eu sempre via quando passava de carro por aquele trecho da cidade, mas esta foi a única vez que senti vontade de entrar naquele ambiente.

Havia um senhor por volta de seus quarenta anos usando uma flanela para limpar o balcão que o circundava em cento e oitenta graus, e os bancos altos convidavam os recém-chegados a sentar. Sentei. O senhor trajava uma calça jeans e uma camisa de botão verticalmente listrada e parecia ser um camarada bastante simpático. Quando me viu sentar, ele foi impelido a se aproximar e perguntar sobre os meus desejos. Lembro que por uns segundos eu pensei em como lá fora estava frio comparado com aquele recinto aromatizado. Sem contraste, pedi uma Heineken gelada.

Antes de precisar piscar duas vezes eu tinha um copo americano grande e uma garrafa de Heineken embranquecida, além de um senhor com olhos bonitos me fitando como se esperando que eu desabafasse.

-- O que foi, rapaz: mulher?

Sem conseguir segurar o meu pequeno sorriso amarelo de "na mosca" balancei a cabeça afirmativamente e comecei:

-- Nossa relação está confusa. Não estou seguro se ela gosta de mim, sabe? Gostaria que ela se expressasse mais, mas ao mesmo tempo gosto do jeito subentendido dela, é estranho. Eu não sei o que fazer.

O senhor tinha um semblante seguro e bigodes lisos e marrons. Tomou um copo cristalino com as mãos e o mudou de lugar. Eu havia simplesmente parado de falar. Aliás, eu não havia ingerido tanto álcool para soltar meus problemas assim de bandeja para um estranho que acabei de encontrar. Ele já não olhava para mim e notei que ele deixou o ouvido esquerdo na minha direção, como se esperasse a continuação da história, mas eu simplesmente calei. Foi ele quem quebrou o silêncio:

-- Acho que seu caso está resolvido rapaz, é só ansiedade sua! Permita-me contar uma história que aconteceu comigo e que desejo partilhar com alguém. Acredito que minha história possa ajudá-lo a repensar a sua de outra maneira, se não, pelo menos o distrairá -- O bigode sorriu em parceria com os olhos castanhos que brilhavam. Aquele senhor então puxou um banco e se sentou quase na minha frente, do outro lado do balcão. -- Você conhece a história de Natasha? -- Eu balancei negativamente a cabeça.

"Sou um viajante de muitas e muitas caminhadas. Nasci longe, onde não se come, só se bebe. Quando pequeno me mudava constantemente até que minha irmã mais velha me deixou em um vilarejo para cuidar de porcos. Um dia o casal que era dono do terreno faliu, então eu vaguei pelo centro da cidade, onde trabalhei com os pedreiros. Nesta época soou pelas ruas a presença de Natasha. Eu, assim como você, estava desinformado a respeito de tão ilustre personagem de nosso mundo. Afinal de contas: de quantos outros estamos igualmente desinformados?

Passado algum tempo, comecei a trabalhar nos bares. Esta taverna aqui não é a primeira, mas confesso que é uma das melhores que já trabalhei. A primeira, exatamente a primeira, me ofereceu tamanha experiência que nunca nada será semelhante ou se igualará.

Era uma noite boa, de muita festa: a folia corria solta e todos os hormônios saltitavam pela chegada de um ilustre cirurgião à cidade, um figurão que sempre investiu bastante na qualidade de vida desses pobres cidadães. Havia um moça muito bonita que andava frequentando este barzinho agradável onde jovens senhores da literatura se uniam para cantar à alegria e ao amor de mulheres e pátrias. Ela era paqueradora de mãos cheias. Embora ela não se vestisse com vulgaridade, a um trabalhador da casa atento não passaria uma moça bonita, ainda menos uma que sempre se apresentava com diferentes cavalheiros. Como você sabe, meu jovem, o mundo é livre, eu mesmo não iria julgar a felicidade de ninguém.

Havia dias em que ela se deixava só no balcão com os olhos distantes e eu, assim como fiz com você, fui puxar um bom assunto para alegrar as horas monótonas da rotina repetida. De perto a garota tinha todas as qualidades que um homem deseja. A voz, os olhos, a pele... Até mesmo a temperatura de suas mãos (homem sempre consegue tocar a mão da dama quando realmente deseja): era tudo perfeito. Minha querida esposa ainda não fazia parte da família e eu estava livre para me aventurar com moças alegres e encantadoras como aquela.

Não sei por qual acaso do destino eu me ausentei de minha função por breves vinte minutos na noite que eu costumo chamar a 'noite dos zumbis'. Quando retornei, avistei nas paredes homens caindo vagarosamente e, à medida que eu ia voltando a vista para os que estavam mais próximos, todos tombavam e caiam absortos no chão.

Vi, e disto não me esquecerei jamais enquanto minha cabeça não parar, aquela dama maravilhosa e perfumada parada próxima à saída longíncua, me olhava, ponderando, acho, sua vinda até mim. Ela deu alguns passos charmosos em minha direção e Giovana, a cozinheira, chamou de súbito o homem que serve às pessoas, este era eu na época, e a criatura celestial parou o progresso da viagem e resolveu partir do bar.

Esta cena nunca me saiu da cabeça, sabe? Posso dizer que é tão nítida minha impressão deste momento que depois, acessando minha memória, recordo um perfil rubro de coração na mão daquela desejada dama, enquanto caminhava até mim.

Aqueles homens se tornaram obcessivos fregueses do bar. Procuravam aquela moça, uns para lhe fazer feliz, outros para amaldiçoa-la. Todos tiveram seus corações tirados do peito por aquela dama. Todos! Exceto um... Eu fui o único que fui salvo pelo santo chamado da cozinheira Giovana - naquele momento, é claro, eu não me dei conta de quão santificado!
"

Depois de ouvir esta história, fiz algumas perguntas idiotas.

-- Esta dama da história era Natasha?

-- Sim, a própria. Onde ela passa deixa homens sem coração e corações sem corpos.

-- Por que ela faz isto?

-- Existem diversas especulações. Um amigo meu estava no bar naquela data e hoje vive sem coração algum. Sua idéia é que ela procura algum coração em especial, um coração grande o suficiente para saciar por completo sua sede por amor. Ele, como teve o coração roubado, não amará mais mulher alguma.

-- O que o senhor acha?

-- Acho que há diversas maneiras de tentar justificar a própria maldade...

Parei um pouco e percebi que estava realmente distraído com a história, meu problema parecia mais tranquilo e solvível. O senhor adivinhou:

-- Para você, meu jovem, eu diria que sofrer ou ser feliz são coisas que existem para te lembrar que você ainda tem um coração. Sem ele haveria apenas o vazio.

...

14 de setembro de 2010

Tarde nublada

Eu vi o sol, mas só o vi ontem. Ele sorria pra mim e dizia "hoje vai ser um bom dia."
E ontem nem foi tão bom assim.
Hoje ele se escondeu atrás de nuvens pesadas de chuva. Não me disse nada nem me fez esperar nada.
E hoje o dia está sereno e tranquilo.
Mas não é o dia que eu queria.
Senti gotas de chuva subindo por minhas calças, se esgueirando entre as dobras, tentando me esfriar.
Senti o vento frio no rosto, cortando a pele e rasgando a alma.
Me escondi entre paredes grossas e seguras mas a janela de vidro não me deixa esquecer,
chove lá fora!
Essa é uma semana de comemorações. No último post de nosso amigo Uljota o nosso querido Segundo Blog completou 100 postagens. Viva. Além disso nesse último domingo foi aniversário da preta e hoje é aniversário de meu pai.
É clima de festa no segundo blog.

13 de setembro de 2010

Fenômeno

Doutor des'que nasci que vivo adoentado:
Tenho um nariz um tanto avantajado.
A minha cara é larga pra chuchu,
o meu queixo até parece uma castanha de caju.
Nerusca de "ai lóve iou"...

É, a minha boca é grande demais
e sendo assim, eu sou muito infeliz,
Doutor, veja por quanto faz
uma intervenção em meu nariz.

E o doutor olhou pra mim, deu um sorriso e disse assim:
“Você precisa é tomar juízo, vá por mim.
Você é forte e tem muita saúde,
Você até parece um astro lá de 'roliúdi'...”

Acreditei no lero deste cientista de valor.
Meti o peito e fui fazer uma conquista de amor,
Logo a primeira que chamei de flor,
me deu um catiripapo e um contra-à-vapor...
Ai, ai, que dor, ai, ai...

Eu vi anunciado um tal de Seu Macário
que tem três filhas em estado precário.
Meti o peito e mudei prá lá
fui conhecer Maricota, Mariquinha e Maricá

É que o velho tem uma nota preta pra gastar,
e eu estou entusiasmado.
Desta vez eu vou ficar com aquela faca de água morna,
esterilizada e tudo o mais.

Mas seu Macário usou de franqueza:
“As minhas filhas não querem beleza,
Mas você com esta cara que me traz,
eu tenho visto gente feia, mas assim
Já é demais... Desguia Satanás. Que funeragem”

(Fenômeno - Moreira da silva)


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