15 de junho de 2011

Natasha

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Quando atingi a idade de 16 anos, falei para meu pai que gostaria muito de conhecer mulher. Todos os meus amigos, mais velhos que eu, haviam ido no Castelo Vermelho com seus pais e voltaram mais seguros de sua masculinidade, aprenderam o que fazer com uma mulher. Estava na hora de eu também entrar neste novo mundo e, pelo que me lembro, eu estava cheio de ansiedade e receios.

Ao ouvir meu pedido, meu pai coçou o cabelo e sorriu.

-- Temos que inventar uma desculpa para sua irmã, afinal, ela vai querer sair também -- Foi a única coisa que ele disse.

Aquela noite não foi diferente das noites contadas pelo meus amigos, na verdade eu até havia colocado muitas espectativas nela. Entretanto, naturalmente, eu sai de lá satisfeito, tentando mostrar-me como o mais novo homem da sociedade carioca.

Eu lembro que depois de tudo, quando voltávamos para casa a pé vendo o nascer do sol, meu pai me contou uma história que eu jamais viria a esquecer.

"Existem pessoas no mundo que abusam dos sentimentos alheios, que se acham conquistadores de tudo e de todos, mas não planejam cumprir com seus deveres, apenas se aproximam, brincam conosco e depois vão embora, isto sempre nos parte o coração. Estas pessoas parecem inofensivas, mas elas nos drenam a energia, devoram nossos corações e no fim, acredite, não resta nada. Talvez o mundo venha a ser vazio em algumas poucas décadas, meu filho; não vazio de pessoas, mas vazio de corações".

Lembro do rosto de meu pai iluminado pela luz laranja do amanhecer. Ele era para mim o exemplo mais perfeito de homem e herói. Embora um homem branco, contra aquela luz ele parecia escuro e cheio de energia, exibia o perfil de um deus dos céus, forte por natureza e sábio de espírito.

"Quando você for ver sua mulher, caro filho, deve respeitá-la e amá-la por inteiro, pois isto mostra que você respeita e ama a si próprio. Não seja como estas pessoas tristes que agem deliberadamente, elas estão perdidas no vale profundo da existência".

Com o passar dos anos, naturalmente, as palavras do meu pai, embora sempre na minha cabeça, perderam força diante de um mundo complexo e severo, mas as palavras dele nunca foram desonradas... Até agora!

Acontece que esta mulher apareceu. Branca como a neve, linda como a mais bela das sereias sonhadas pelos abstinentes marinheiros estrangeiros e também doce como mel de engenho, seus lábios eram como alucinógeno de prazer inexpressável e seu corpo era morno como o mais convidativo dos achocolatados em terra de inverno semestral. Esplêndida, fantástica, única em todo o mundo dos sonhos e em toda a realidade corriqueira. Se chama Natasha, e seu nome ressoa como sinos angelicais no céu eterno de amor e deleite.

Vê-la, por si só, é gozar. A vida perdeu todo o sentido a partir do momento que ela surgiu na minha vida, a partir do momento que ela me tocou, me chamou e me levou para o reino do sonhar, o verdadeiro reino do sonhar, onde todos os sonhos se misturam com a realidade. Eu não achei que aquilo fosse possível, nunca experimentei a sensação antes, mas infelizmente não há o que se fazer mais: nunca esquecerei aquela mulher e todas as outras se tornaram apenas outras. Natasha foi a única, em toda a minha miserável vida, que me tocou o coração, a única que o levou consigo e o guarda para sempre na terra do amor.

Agora eu reflito nas palavras de meu pai. Tudo indica que ela, aquela maravilhosa fada divina, brincou comigo como se fosse apenas seu passatempo, como se fosse apenas um quarto de hotel que ela usou para se alojar por um tempo. Ela partiu, deixou-me só, esquecido e esquecedor de tudo o que viera antes.

Me pergunto, oh pai, como devo viver agora, que minha única mulher se foi como se o vento soprasse sua direção? Não há motivação para mais nada nesta vida, tudo perdeu seu gosto e sua importância no meu viver, mas quando lembro daquele tempo com ela, pai, tudo brilha e é alegre novamente.

Que devo fazer, afinal? Amaldiçoá-la por me tirar o mundo de antes, ou abençoa-la por me mostrar o paraíso em terra?
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6 de junho de 2011

Victória & Hugo

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Victória falando: oi Hugo! Quando é que você vai para a pracinha? Depois de tantos convites fiquei curiosa para ver como ela é.

Victória pensando: ele finalmente venceu pela insistência, mas pelo menos vou ficar mais animada. Todo mundo fala que a pracinha tem muitos lugares discretos...

Hugo falando: Hum! você quer ir à pracinha hoje?

Hugo pensando: como assim!? Por esta eu não esperava! Eu achava que ela tava com o saco cheio. E agora? O que vou fazer? Eu tava querendo ir ver a Cristina mais tarde...
Hugo pensando: não rola!

Hugo falando: puxa vida! Logo hoje, Victoria!

Victória falando: o que tem hoje?

Hugo falando: bem... Vai haver o aniversário de um familiar, vou ajudar com a festa.

Hugo pensando: boa! Depois eu penso num jeito melhor de dispensar ela... Fica muito estranho. Tô tão acostumado a dar em cima que sequer notei que era só de costume. Caramba! quero sair com ela não...

Victória falando: puxa! Logo hoje que eu não tenho hora pra voltar pra casa...

Victória pensando: e ai, Hugo, tem certeza?
Hugo pensando: uau! Ela tá querendo uma festinha... Caramba! Deixa pra lá - deixa pra lá, melhor ir ver a Cristina, senão é fuleragem com ela.

Hugo falando: puxa, é que não dá mesmo. Tá tudo certinho já, e família é família, você sabe, né?

Victória pensando: que droga! Agora quem vou pegar?

Victória falando: está bem, então, Huguinho. Qualquer coisa me liga, tá?

Victória pensando: vai que ele resolve voltar atrás...
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Dedico a Victor Hugo, por me emprestar o nome das personagens.
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2 de junho de 2011

Soneto da procuração

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Porque você escreve assim?
Eu queria entender tudo
Queria o claro no escuro,
Simples e direto - ai de mim!

Leio sem nada entender
Procurando naquelas palavras,
Poemas ou prosas inacabadas
Falando sobre o meu ser

Não conheço minha importância
E no meio dessa ignorância
Me sinto muito inseguro

Queria declaração aberta
Você completamente certa
Contendo amor mais maduro
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Medo de escuro

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Juliana entrou em casa já com certo receio. Não por que estava escuro e não estivera no lar nos últimos dois dias, mas por que sentia que havia algo diferente no ar. Tinha a sensação de que alguém havia entrado na sua casa durante sua ausência. Abriu a porta, que não rangia, já que ela tinha o cuidado de passar óleo de máquina onde devia ser passado sempre que possível (quase um vício - "ódio desses barulhinhos"), e procurou imediatamente, com as mãos, o interruptor que acenderia a luz e ajudaria a evaporar de vez aquela sensação horrível de presença alheia. Acionados os interruptores com os dedos, apenas a lâmpada externa respondeu - "isto é hora de lâmpada queimar?". Não haveria mais problema algum: escancarou a porta para deixar a luz da varanda entrar e poder encontrar caminho livre para os quartos e cozinha, onde poderia acender mais interruptores.

Caminhando pela sala escura, viu um vulto pardo com os cantos do olho. Como todo vulto assustador que se preze, passou rápido e sem deixar barulho algum, alimentando a sensação agoniante de companhia e, mais ainda, de que há um observador paciente à espreita. Calculou que faltavam apenas poucos passos para alcançar os interruptores do quarto, mas resolveu assim mesmo apressá-los, e tombou com o joelho na pontinha da mesinha de sala. Toda uma dor elétrica circulou em sua perna e um desejo instantâneo e instintivo de sentar no sofá para se recuperar foi saciado.

Até então não havia som algum. Quanto mais o tempo passava mais evidente ficava o som da própria respiração no seio do lar inanimado. A luz externa dava contornos desconhecidos aos objetos da sala, especialmente às pedras manufaturadas de formado humanóide. Um espelho ao fim da sala deveria permitir ver parte do quarto, juntamente com a cama e o guarda-roupas, mas a luz não era suficiente para clarear tanto, se perdia em algum ponto empoeirado depois do espelho.

O cão da vizinha começou a latir. Animais sentem quando alguma coisa esquisita está acontecendo. Como uma rede virtual de comunicação, toda a vizinhança canina pôs-se a chamar a polícia, com latidos, mas só Juliana teve esta sensação. Alguma coisa estava errada! Alguém estava na casa! Por favor me ajudem! O grito tolo e rouco saia sem sair, por que era ridículo gritar por algo que não existe, ou que pelo menos não se sabia que realmente existe. Juliana cogitou simplesmente postular que havia alguém na casa e sair gritando para o socorro amigo de algum vizinho próximo, como fizera diversas vezes quando pequena, seja com um monstro no armário, seja com um duende debaixo da cama - "naquela época não era preciso ver para ter certeza de que estavam lá." Os únicos empecilhos eram seus joelhos que ainda reclamavam imobilidade e o orgulho -"não tenho medo do escuro".

Passados quase um minuto de paciência infinita ao som de latidos e com dor na perna, Juliana se levanta para ir ao quarto ligar a luz. Passou a ouvir o bater de seu coração, forçando sangue para o resto de seu corpo, como se este se recusasse a aceitar. Simultâneo ao seu passo escuta o cantar grave de um pássaro mensageiro - "vou morrer!". Ela estava ficando com os nervos à flor da pele, não dava para continuar aquela jornada sozinha. Juliana voltou para a porta aberta e saiu da casa.