20 de abril de 2010

Amarelo

Eu subi no ônibus um pouco atrasado, mas não poderia fazer mais nada: são duas horas até chegar na faculdade, todos os dias. Atrasei aqui, chego atrasado lá. Como de costume, sentei perto da porta traseira e mantive a atenção nas pessoas que entravam depois de mim. Era manhã, mas a água fria do chuveiro já tinha me despertado.
Nos arredores de Olinda, cerca de trinta minutos de viagem, sobe aquela menina. Moça magra e branquinha, da cor de leite desnatado e ligeiramente estragado, efeito dos raios solares. Ela mantinha o cabelo pintado de loiro, que combinava bastante com ela (aliás), e se por ventura o deixasse solto, uma sutil faixa negra longitunal corria sobre sua cabeça. Costumava vestir calça jeans e uma camisa de tecido liso e sedoso, o cabelo preso ia até um quarto das costas e o sorriso esbanjava metais. Neste dia nada foi diferente. Ela sentou do outro lado do ônibus, uma fileira atrás da minha, onde podia ficar olhando pela janela.
Não menos de dois anos atrás eu a conheci. Sabe aquela gatinha do curso pré-vestibular que você sempre viu e nunca fez nada? Todos os dias você divide o ônibus com ela quando largam juntos, você é de exatas e ela de saúde, mas você nunca tomou coragem de ir lá trocar palavras. Eu lembro que tive um dia onde as coisas deram altamente errado e eu estava com os nervos trocados, ai resolvi falar com ela (energia transbordando e perna tremendo).
Ao som da minha pergunta (algo do tipo "você faz o pre, né?") ela se vira e sorri abertamente e... bem, a única reação possível pra mim foi sorrir na mesma medida: bem largo! A conversa inteira seguiu com um sorriso gigante no rosto, porque ela sorrindo era único na minha vida. Nesta época os dentes dela estavam perfeitos, nada prateado.
Depois disto tentei me aproximar, mas descobri que ela tinha namorado, ai fiquei cada vez mais "adiando" qualquer conversa relativa ao meu interesse e acabei, infelismente, me transformando em mais um amiguinho. Como pré-vestibulares tem fim, um dia acabou e nunca mais a vi com a mesma frequência.
Durante um ou dois anos não compartilhamos a mesma linha. Agora ela entra no ônibus e, quando me vê, acena com um sorriso amarelo e diz um "oi" ou um "tudo bom?", que eu retribuo quase sempre imitando a mesma frase. Ela passa, senta e pensa na vida dela junto à janela. Eu, tolo, repasso sempre toda esta história.

2 comentários:

Érica Pinto disse...

Hum, Sobral.
Como já disse, só vou reiterar o comentário, abri vários sorrisos aqui ao ler isto. Também tá carregado de trágico-comicidade do início ao fim.

Outra coisa, para quem acredita que existe nexo entre distinção de cores e sexualidade, você até que soube escolher bem as cores que foram preciso para compôr este texto, no entanto, eu ainda me pegunto que espécie de cor é esta que se chama leite desnatado estragado?!?!

haha

"Eu, tolo, repasso sempre toda esta história."
Conselho para a posteridade do grande Marx " A história só se repete enquanto farsa".

No mais, continue a escrever, não deixe isso aqui ficar cheio de poeira. =)
Abraço

Eu disse...

a história de tantas vidas por ai

aiosduaoisduaiodioas