2 de junho de 2011

Medo de escuro

...
Juliana entrou em casa já com certo receio. Não por que estava escuro e não estivera no lar nos últimos dois dias, mas por que sentia que havia algo diferente no ar. Tinha a sensação de que alguém havia entrado na sua casa durante sua ausência. Abriu a porta, que não rangia, já que ela tinha o cuidado de passar óleo de máquina onde devia ser passado sempre que possível (quase um vício - "ódio desses barulhinhos"), e procurou imediatamente, com as mãos, o interruptor que acenderia a luz e ajudaria a evaporar de vez aquela sensação horrível de presença alheia. Acionados os interruptores com os dedos, apenas a lâmpada externa respondeu - "isto é hora de lâmpada queimar?". Não haveria mais problema algum: escancarou a porta para deixar a luz da varanda entrar e poder encontrar caminho livre para os quartos e cozinha, onde poderia acender mais interruptores.

Caminhando pela sala escura, viu um vulto pardo com os cantos do olho. Como todo vulto assustador que se preze, passou rápido e sem deixar barulho algum, alimentando a sensação agoniante de companhia e, mais ainda, de que há um observador paciente à espreita. Calculou que faltavam apenas poucos passos para alcançar os interruptores do quarto, mas resolveu assim mesmo apressá-los, e tombou com o joelho na pontinha da mesinha de sala. Toda uma dor elétrica circulou em sua perna e um desejo instantâneo e instintivo de sentar no sofá para se recuperar foi saciado.

Até então não havia som algum. Quanto mais o tempo passava mais evidente ficava o som da própria respiração no seio do lar inanimado. A luz externa dava contornos desconhecidos aos objetos da sala, especialmente às pedras manufaturadas de formado humanóide. Um espelho ao fim da sala deveria permitir ver parte do quarto, juntamente com a cama e o guarda-roupas, mas a luz não era suficiente para clarear tanto, se perdia em algum ponto empoeirado depois do espelho.

O cão da vizinha começou a latir. Animais sentem quando alguma coisa esquisita está acontecendo. Como uma rede virtual de comunicação, toda a vizinhança canina pôs-se a chamar a polícia, com latidos, mas só Juliana teve esta sensação. Alguma coisa estava errada! Alguém estava na casa! Por favor me ajudem! O grito tolo e rouco saia sem sair, por que era ridículo gritar por algo que não existe, ou que pelo menos não se sabia que realmente existe. Juliana cogitou simplesmente postular que havia alguém na casa e sair gritando para o socorro amigo de algum vizinho próximo, como fizera diversas vezes quando pequena, seja com um monstro no armário, seja com um duende debaixo da cama - "naquela época não era preciso ver para ter certeza de que estavam lá." Os únicos empecilhos eram seus joelhos que ainda reclamavam imobilidade e o orgulho -"não tenho medo do escuro".

Passados quase um minuto de paciência infinita ao som de latidos e com dor na perna, Juliana se levanta para ir ao quarto ligar a luz. Passou a ouvir o bater de seu coração, forçando sangue para o resto de seu corpo, como se este se recusasse a aceitar. Simultâneo ao seu passo escuta o cantar grave de um pássaro mensageiro - "vou morrer!". Ela estava ficando com os nervos à flor da pele, não dava para continuar aquela jornada sozinha. Juliana voltou para a porta aberta e saiu da casa.

2 comentários:

Eu disse...

foda

Anônimo disse...

Muito bom! Foda²