9 de novembro de 2010

Super-dúvidas

Ontem a tarde eu estava passeando pelo campus da UNICAMP até que resolvi sentar em um dos bancos ao redor do círculo central que tão importante é que está presente no símbolo conhecido da instituição. Ainda não tenho muitos amigos com quem compartilhar uma gostosa tarde sentindo o vento e observando a bela paisagem arbórea de forma que, ali, eu me encontrava sozinho. Talvez, e com toda a probabilidade o é, seja supérfluo mencionar que dei uma volta, ao redor do círculo, de aproximadamente 270 graus apenas para evitar um grupo de estudantes da USP que vendiam assinaturas promocionais de revistas supostamente financiadas pelos cartões de crédito. O que importa realmente é que eu estava lá, sentado, olhando ao redor como se curtindo o bom tempo e o sol sorridente, mas na verdade internamente obcecado com questões acadêmicas e de cunho particular. Estando lá, como estava, vi o que vi e pensei o que pensei, como não poderia se não estivesse lá - dirão os médios: é claro! Eu respondo que existem aqueles que acreditam em destino e não se pode recusar a probabilidade de que aquilo só venha a ter acontecido porque eu estava lá para acontecer, de forma que se não estivesse lá, aconteceria onde quer que eu estivesse. Fora questões que não nos levam a lugar nenhum, vamos ao que interessa.

A única coisa que vi, de fato, vendo, com os olhos da carne, foi um senhor que se chegou para sentar ao meu lado. Complicado isto é, já que poderia te-lo chamado de rapaz, uma vez que velho não era, mais velho do que eu certamente, mas isto entra no questionamento de como eu deveria ser chamado, se rapaz deixei de ser e senhor ainda estou longe. O senhor-rapaz ao meu lado sorriu e me mostrou uma chapa de ferro, dividida sutilmente por uma fenda longitudinal, destacando quase que imediatamente as duas partes como se a chapa fosse de plástico. Eu não entendi o que aquilo queria dizer e fiquei muito mais impressionado por uma pessoa de Campinas sentar-se ao meu lado num lugar público que oferecia diversas outras oportunidades de assento individual do que com a graça que o que chegou fez. Eu, com a testa franzida propositadamente, o olhei com atenção e simpatia, já que ele trazia aparência simpática. O senhor-rapaz me ofereceu a chapa de ferro com a mão esquerda, quando a toquei, verifiquei que se tratava se um material realmente deveras duro para se quebrar ou dobrar. Depois que me viu manuseando o objeto com certo carinho, o senhor-rapaz o pediu novamente e lhe entreguei, ao passo que ele tinha dobrado o material com o uso de apenas uma das mãos. Diante de provocação tão direta, improvável seria se eu, mesmo sendo de natureza leza como sou, não notasse que o senhor-rapaz queria que eu o fizesse um super-herói.

-- Você é mágico? -- Imaginei logo que a presença de semelhante criatura ou significasse que cobraria por serviços de distração, o que cabe a um mágico como aquele, ou que me apontaria convite para um espetáculo onde a alternativa anterior caberia mais convenientemente. Só pensei em dinheiro, confesso.

-- Não -- Respondeu o senhor-rapaz com ares agora menos, se é que eram antes, formais -- Eu gostaria de companhia. Esta tarde está deveras prazerosa para se passar sozinho e sem uma boa conversa. -- Agora, mais que antes, estava certo de que o mágico era na verdade um homossexual atraído por algo da minha descuidada aparência (cabelo a cortar e barba mal feita de quem não fez por que tinha prova na manhã do dia em que estamos e passeou pela Unicamp para esquecer de todos os esforços mentais de decoração e alienação estudantis), mas desde que não fizesse nada demais, não havia problema em tê-lo ali para uma conversa. Talvez eu deva me ater um pouco mais neste ponto, o de eu pensar ser o homem-rapaz um homossexual, porque não se tratou apenas de um reflexo preconceituoso oriundo da impressão de uma tentativa de um homem se aproximar de outro sem motivos outros que banais e, com toda a probabilidade, pessoais, mas mais ainda do uso do esteriótipo bem conhecido de que homem de voz fina e movimentos delicados tem apreço por homem de voz grossa e ares de macho. Tá certo, tudo isto cai também no preconceito; fui preconceituoso por achar alguma coisa quanto ao mágico (não note minha falta de modéstia).

Sentou-se observando cuidadosamente se a areia havia sido devidamente evitada. Ao encostar suas nádegas no banco de cimento, não despejou ali seu peso, como se cuidando de sentir o frio da pedra ou de esquentá-la antes de se deixar entregue, mas foi deixando lentamente o peso transferir-se dos pés e da mão esquerda que servia de apoio para a região do corpo que toca a cadeira quando o indivíduo senta corretamente. Parecia um velho. Não esperou muito para dizer o que viera dizer e o que será extensamente relatado nos próximos parágrafos, uma vez que pensei que seria interessante trocar a forma de meu relato de primeira para terceira pessoa e o farei com devida atenção a partir de agora e assim continuarei até que a coerência me obrigue a voltar para a maneira do início com o único objetivo de dar aquela sensação de que o texto foi bem fechado no último parágrafo.

José era seu nome, e travava consigo mesmo uma batalha interna de imensa importância para a sanidade do estado de São Paulo ou, talvez com a evolução das tragédias, para o país. Ele, o senhor-rapaz, dotava de poderes sobrenaturais que, como o nome sugere, está sobre os naturais. Podia mover facilmente grandes pesos e se movimentar com velocidade razoavelmente alta, desde que, claro, como todos os humanos já devem ter notado, tiver algum espaço para se impulsionar do estado parado, ou como insistem os professores de física, de Vo = 0, já que o importante não era a velocidade, mas a aceleração que ele era capaz de suportar e provocar em si mesmo. José cresceu como qualquer outro garoto, mas como tinha acesso a proezas únicas, passou a obter êxito de quase 100% nas investidas de assalto ao dinheiro de seus familiares, naquela idade da infância que os garotos não sabem distinguir o que é seu do que é dos outros em casa. Aqui deve-se duas retificações, a primeira é que ele nunca assaltou, a palavra correta, ou mais correta, seria roubar, já que ninguém nunca o pegou usando de ameaças com os outros de condições sub-sobrenaturais, segunda retificação diz respeito ao "quase" acima, não foi 100% só porque se o tempo não era suficiente para ir e voltar, então o garoto voltava de mãos vazias, e isto não é êxito em um roubo. O caráter do rapaz, como deu pra notar muito mal exemplificado acima, não era fácil de moldar por educações sub-sobrenaturais, mas a religião evangélica que empregava a cabeça sã de seus pais o ajudaram a criar noção de bem e mal, mas, como o é para grande parte dos que como ele é, diga-se assim, religiosos, fazer o bem pode parecer simplesmente não fazer nada. A inteligência do rapaz fugia de tudo o mais que acontecia com ele, quer-se dizer, era medíocre, mediana de maneira tal que provavelmente passaria em um concurso e viveria como metade dos que vivem no estado. Há aqueles, e é por isto que o futuro do pretérito se encaixa nas frases anteriores, que seguem seus sonhos, e o garoto quis seguir carreira de músico, tem banda e tudo, e mesmo que hoje seja um senhor-rapaz, ainda toca aquelas músicas que badalam adolescentes e se fazem presentes em seriados de final de tarde, aqui ou no México. José não é muito famoso, no entanto.

O senhor-rapaz já se apercebera de que a natureza é sábia, justa, ou seja lá o nome que se queira dar a ela, alguns dizem simplesmente que ela é "equilibrada"; seja o que for, se existe um ladrão, haverá de criar-se um policial, se existe um problema, há de criar-se alguém para dele livrar-se neste mundo desde que as profissões só existem para solucionar este ou outro tipo de problema. Há os indivíduos que optando por trabalhar do lado do problema, seja tomando vantagem das brechas seja as aumentando ainda mais, encaram a solução como problema e como agora trata-se de um problema, também este a natureza há de "equilibrar", gerando uma profissão que arque com ele, claro que estamos nos referindo aos vilões. Se existe no mundo alguém com sobrenaturais poderes, haverá de aparecer um sobrenatural problema, simplesmente usando da filosofia barata da "balança" que a natureza insiste em fingir manter. José assim pensava a meses e passeava pela cidade de Campinas com tal pensamento fixo na massa cerebral.

O sobrenatural José pensava que, se usasse de seus dotes fantásticos, acabaria por induzir no plano real um movimento restaurador com a aparição simultânea de um arquiinimigo. Se era assim, pensava que melhor seria se ele fosse o mal, para que surgisse um movimento restaurador bom e que o bom o derrotaria e assim ficaria para manter a sociedade a salvo de qualquer problema de ordem menor. Pensou também que ele, José, não deveria morrer, para que o outro ainda tivesse seu problema lacrado e a natureza não teria motivos para balancear o que já estava balanceado. Isto tudo pensou porque não era um músico de sucesso, esta conclusão se pode facilmente tirar pensando que se o fosse seria ocupado demais para pensar ladainhas, e tudo isto se tratava de ladainhas, já que se tirou conclusões demais ante um problema que nem se sabe se realmente existirá.

José estava ali, ao meu lado. Tinha dobrado uma tira de ferro duro e depois, diante de um pedido meu de tensionar o ferro como se faz com sacolas plásticas até se romperem, esticou o ferro até se fragmentar em um estrutura que lembra vagamente um tablete de ciclete esticado até se romper, as duas toras de ferro oferecendo infinitos pequenos vértices. Depois de contar toda a sua história de maneira mais interessante do que acima foi relatado, pois é complicado para mim reproduzir uma história que me foi contada ontem, em que alguns detalhes já me faltam pela memória fraca, José saiu correndo pelo terreno e em alguns segundos, dois talvez, já tinha desaparecido da minha vista. Eu pensei que talvez ele não fosse um homossexual, mas que ele tinha dúvidas, ah, ele tinha.
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4 comentários:

Uljota disse...

Que me desculpem o preconceito que depositado está. =/

Érica Pinto disse...

Que texto enorme, Sobral!
Só tenho duas coisas a dizer: a primeira delas é quanto ao preconceito que tanto mencionaste e que, para mim, não ficou realmente claro, leia-se não vi indícios nenhum no decorrer do texto que evidenciasse o que quer que seja de traços afeminados na personagem José. Ao passo que fica um tanto sem fundamento e meio "sem pé nem cabeça" o prenconceito da outra personagem. Se bem que preconceito é algo completamente despido de qualquer fundamento ou justificação por definição (minha). XD

A outra coisa que quero comentar é quanto ao conteúdo do parágrafo que fala sobre uma natureza que equilibra entes, seres, ideias, ou seja lá o que for de caráter contrastante, que enseja a coexistência de elementos a exemplo dos heróis e vilões. No entanto, os meus pensamentos míopes e distorcidos me impedem de enxergar a realidade dessa maneira, fazendo com que eu veja nessa suposta manifestação da natureza, um mero olhar, mais uma vez, maniqueísta das coisas. Tal olhar, que de tão impregnado em nossa forma de pensar, nos leva a considerá-lo como o único e, por vezes, mais lúcido de todas as outras verdades marginais.
Ok, já viajei e escrevi demais.
Mas para texto enorme, comentário enorme.

Continua a escrever, meu caro. Continuo gostando de te ler.
:)
Beijo

Eu disse...

que comentário enorme érica

Anônimo disse...

Que texto mais sem pé e cabeça.De fato está inerente e intríseco a quem lê.Mas,para quem o escreveu faz todo o sentido.
Escreve bem o rapazola!!!
Um bom texto.Sabe usar das palavras,coerências e precisões das mesmas.
Porém,que tanto você quis dizer neste texto,senhor rapaz?
Cabe a pergunta.